Vivemos tempos em que parece bonito ser extremista, ainda mais na esfera política, porém o extremismo não condiz com a virtude e não leva a bem algum. Ética e extremismo são incompatíveis.
Aristóteles, em sua obra “A Política”, não deixa dúvidas sobre a natureza política do ser humano, demonstrando que o homem é um animal político, sendo o convívio social natural a ele e único caminho para se alcançar a felicidade. O filósofo também defendia que, para se alcançar a felicidade, há a necessidade de se atentar para as virtudes, a prática visando o bem, visando a excelência. Ocorre que, conforme demonstra em “Ética a Nicômaco”, a prática da virtude corresponde justamente em evitar os extremos, ou seja, para se alcançar a felicidade deve-se: buscar o meio termo, a “mediana”.
O mundo passou por inúmeras transformações desde a Grécia Antiga: nasceu o conceito de Estado, houveram guerras e revoluções, a Tripartição dos Poderes se consagrou e evoluiu, entre outras tantas alterações na ciência política e na própria filosofia. Porém, passados séculos, os ensinamentos de Aristóteles ainda se mostram válidos.
A política é exercida no dia-dia por todo cidadão. Porém, há muito tempo as decisões acerca das medidas sociais e de manutenção do Estado, deixaram de ser exercidas diretamente pelos cidadãos, passando a ser de competência de representantes eleitos para tanto.
Neste contexto há de se questionar como os representantes eleitos - em especial os legisladores[2], pois cabe a eles precipuamente estabelecer as regras vigentes em um território - podem de fato defender os interesses da sociedade. Afinal são inúmeros os interesses dos cidadãos, ainda mais em um país com população tão volumosa como o nosso.
É preciso que os Legisladores se conscientizem disto: eles representam a sociedade e ela não se restringe a um grupo, pelo contrário, é composta de diversos grupos. Em uma democracia a maioria governa, mas todos merecem e devem ser ouvidos.
Neste ponto, normalmente em discursos, frisa-se na origem do próprio Parlamento, local de “parlar” (falar/conversar) e muitos exaltam que as Casas Legislativas são a Casa do Povo. De fato, realmente assim deve ser: as Casas Legislativas devem ser locais onde há diálogo. Local onde, diante de uma questão controversa, objeto de projeto de lei, é necessário que se busque escutar da forma mais eficiente possível todos os setores que serão atingidos ou possuem interesse na questão em debate.
Infelizmente, embora a figura do diálogo seja exaltada em discursos, nem sempre é vista na prática. Inúmeros são os exemplos, dentre eles as inúmeras vezes em que a população é impedida de ingressar nas Casas Legislativas quando há discussão ou votação de projetos – prática aliás condenada por precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Na política inexiste a possibilidade de se alcançar qualquer objetivo legítimo sem diálogo. A ausência de diálogo, de participação da sociedade, descaracteriza a própria razão de ser da Representação Política.
Exemplo maior de político brasileiro que tenha desempenhado de forma magistral a arte do diálogo, servindo de intermediador e mediador dos mais diversos setores e interesses sociais foi: Ulysses Guimarães. Presidindo a Assembleia Nacional Constituinte, sem limitação alguma lhe sendo imposta, conseguiu mediar inúmeros interesses sociais, sendo muitos deles frontalmente conflitantes, deixando como fruto nada menos que a Constituição Cidadã. O sucesso do texto constitucional de 88 é a grande prova de que a abertura para o diálogo e da busca do termo-médio na política dão resultados grandiosos e benéficos para a população.
Mas o diálogo com a sociedade deve sempre ser mantido, a participação da população e o esclarecimento desta sobre o real teor das proposituras não devem ser restritos aos momentos mais impactantes da história do país.
No entanto, infelizmente, na prática isto não ocorre: embora previstos na Constituição, plebiscito e referendo continuam sendo instrumentos praticamente em desuso e poucas vezes a população realmente é ouvida de fato.
As alternativas adotadas tanto pelo Congresso como pelas demais Casas de Leis – Assembleias e Câmaras – tem sido a realização de Audiências Públicas.
Os últimos Projetos de repercussão nacional que tiveram ampla divulgação e aparente diálogo com a sociedade foram: O Projeto de Novo Código de Processo Civil (aprovado e convertido na Lei 13.105/15); a Proposta de Emenda Constitucional da Fidelidade Partidária (PEC nº 182, aprovada); e As 10 Medidas Contra a Corrupção (PL4.850/16, ainda em tramitação no Senado Federal).
Porém há quem questione a real participação social em tais proposições.
A discussão do Novo Código de Processo Civil liderada por processualistas, embora tenha percorrido os Estados, focou na participação majoritária de juristas. Contudo, há de se convir que em grande parte, em relação a esta legislação especificamente, é justificável tendo em vista se tratar realmente de matéria técnica.
Quanto às 10 Medidas Contra a Corrupção, de iniciativa popular, possui amplo apelo social, mas a forma como são expostas as proposições à população se assemelha a uma campanha publicitária longe de ser esclarecedora.
Por sua vez, a “Câmara Itinerante” percorreu os Estados conduzida pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, visando, dentre outros objetivos, a formulação de relatório sobre a PEC da Fidelidade Partidária, mas, em verdade, as discussões foram um tanto deturpadas devido aos protestos iniciais sobre o impeachment da Presidente Dilma. A PEC em questão acabou por formalizar manobra partidária que passou despercebida por grande parte da população.
O não esclarecimento adequado acerca da legalidade e constitucionalidade, e até mesmo sobre o teor de Proposições é comum. No Direito Eleitoral foi emblemática a aprovação da Lei da Ficha Limpa (LC135), que contou com ampla propaganda e apoio popular, tendo milhares de assinaturas. Tal lei teve pontos positivos, mas resultou por tornar mais difícil a declaração de inelegibilidade de candidatos e até hoje é alvo de inúmeras críticas de juristas em especial por sua semelhança com legislações do período ditatorial.
Portanto, resta claro a necessidade, verdadeira missão do Legislador, de promover o real diálogo para com a sociedade, analisando-se a fundo as propostas, esclarecendo e ouvindo a população; e não simplesmente montando uma “encenação” para que formalmente conste na tramitação de Projetos que houveram audiências públicas, mas ao final aprovando textos totalmente diferentes do discutido ou que a população desconhece.
Exemplo arquétipo de Audiência Pública e que merece elogios vem do Estado do Paraná, onde por proposição do Deputado Estadual Requião Filho, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, foi convocada a reunião pública com ampla participação popular para discussão do PL 594/15. O PL em questão, de autoria do Dep. Luiz Claudio Romanelli, trata da exigência de Aviso de Recebimento para a negativação do consumidor, tornando irregular a negativação em que este requisito não tenha sido observado.
Houve exposição do Projeto, discussão de seu conteúdo pela sociedade civil organizada, convergências e divergências. Juntada de pareceres de juristas e instituições. Na reunião: instituições de Defesa do Consumidor defendiam o Projeto exaltaram o dever de informação; enquanto instituições representativas dos Empresários demonstraram as conseqüências nefastas que tal exigência trariam (prejuízos milionários e aumento da inadimplência já comprovado com a provação de lei semelhante no Estado de São Paulo). Ao final a Comissão de Defesa do Consumidor concluiu que o Consumidor à luz da Constituição realmente tem o direito de ser avisado previamente de negativação, mas a adoção do Aviso de Recebimento acarretaria dificuldades à própria economia e, ao fim e ao cabo, seria maléfica aos próprios consumidores, pois geraria despesa ao empresariado o que encareceria os produtos e serviços ofertados; devendo outro mecanismo de comunicação (e-mail, SMS, entre outros) ser estudado pela Comissão para que se dê continuidade a tramitação do projeto. Audiência Pública de verdade é assim: tem que escutar os mais diversos pontos de vista, dar voz ao povo, tem que ter divergência. A missão do Legislador diante disto é a de, à luz da Constituição, tentar conciliar os interesses presentes na sociedade.
O Legislativo não deveria ser lugar para extremismos, nem para posicionamentos impulsivos. O diálogo e a ponderação dos argumentos, dos prós e contras, enriquecem a formulação da legislação, auxiliando na busca pela composição de interesses, valorizando e legitimando ainda mais a atividade parlamentar.
A proximidade do político com a população não pode ser restrita às eleições, nem tampouco restrita a própria base eleitoral. Para o Legislativo ser a voz do povo, antes de mais nada, deve abrir as portas para a população e lhe dar ouvido.
[1]Luiz Fernando Obladen Pujol. Advogado militante na área administrativa e eleitoral. Especialista em Direito Público e Processual. Assessor Parlamentar da Liderança do PMDB no Estado do Paraná. Membro da Fundação Ulysses Guimarães do Paraná.
[2] De acordo com o Art.45 da Constituição Federal, os legítimos representantes do povo no Congresso Nacional são os Deputados, uma vez eleito, eles falam em nome de toda a população brasileira. Da mesma forma os Representantes da população no Legislativo Estadual são os Deputados Estaduais, e no âmbito dos Municípios os Vereadores.
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